segunda-feira, 23 de abril de 2012

HERESIAS A RESPEITO DAS NATUREZAS DE JESUS CRISTO


 

A doutrina de Cristo tem sido submetida a mais tentativas heréticas de explicá-la do que qualquer outra doutrina do Cristianismo. O mistério declarado e subentendido no Novo Testamento, no tocante à encarnação de Deus Filho, parece atrair a si mesmo, como imã, explicações as mais variadas dos diferentes aspectos dessa doutrina fundamental. Que heresias a respeito de Cristo já havaim nos tempos do Novo Testamento, está claro em 1 João 4.1-3:

Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo.

A negação da existência física de Jesus foi a primeira precursora da heresia docética que acossava a Igreja nos séculos II e III.
Nos tempos dos pais da Igreja, existiam diferenças, nas duas ramificações da Igreja, quanto ao modo de interpretar as Escrituras. A escola de Alexandria enfatizava a abordagem alegórica. Esses cristãos apegavam-se à defesa da divindade de Cristo, às vezes deixando sua plena humanidade em segundo plano. A escola de Antioquia enfatizava a abordagem literal à interpretação das Escrituras. Defendiam bem a doutrina da humanidade de Cristo, mas às vezes o faziam às custas da sua plena divindade.

Devemos ressaltar que a banalização do conceito de heresia, frequente em nos dias de hoje, não deve ser atribuída aos tempos antigos que estamos estudando. Os pais da Igreja encaravam com a máxima seriedade as suas controvérsias contra os hereges, porque entendiam que os próprios alicerces do Cristianismo estavam em jogo nessas questões. Além de serem zelosos pela compreensão correta das Escrituras, os pais da Igreja também eram orientados pela convicção de que a suprema questão em jogo era a própria salvação. Muitas vezes, nessas controvérsias, chegava-se a questionar se o Cristo, como era apresentado, poderia realmente ser o sacrifício pelo pecado do mundo.

O DOCETISMO

Os docetistas negavam a realidade da humanidade de Cristo, dizendo que seu sofrimento e sua morte foram aparentes. Erravam ao permitir que a filosofia gnóstica ditasse o significado dos dados bíblicos. Em última análise, o Cristo descrito pelos docetistas não poderia salvar ninguém, pois a sua morte, num corpo humano, era a condição prévia para destruir o domínio de Satanás sobre a humanidade (Hb 2.14).

O EBIONISMO

A heresia ebionita desenvolveu-se de uma ramificação do cristianismo judaico, que tentava explicar Jesus Cristo conforme ideias judaicas preconcebidas sobre a natureza de Deus. Para alguns desses cristãos primitivos, o monoteísmo significava que somente o Pai era Deus. A presença dos fariseus entre os crentes é atestada em Atos 5.1,2,5. E os fariseus ebionitas começaram a ensinar que Jesus era mero homem, gerado por José e Maria. Alguns ensinavam que Jesus foi feito Filho de Deus ao ser batizado por João Batista. Este ensino, chamado adocionismo, obviamente não concordava com as declarações de João e Paulo no tocante às origens de Cristo.

O ARIANISMO

Em inícios do século IV, um homem chamado Ário propunha com vigor os seus ensinos, e muitas pessoas acreditavam neles. Seus ensinos talvez sejam melhor entendidos se listados em oito declarações que se encaixam logicamente.

1. A característica fundamental de Deus é a solidão. Ele existe sozinho.
2. Dois Poderes habitam em Deus: o Verbo e a Sabedoria.
3. A criação foi levada a efeito por uma substância independente, que Deus criou.
4. A existência do Filho é diferente da existência do Pai.
5. O Filho não é verdadeiramente Deus.
6. O Filho é uma criação perfeita do Pai.
7. A alma humana de Cristo foi substituída pelo Logos.
8. O Espírito Santo é uma terceira substância criada.

O âmago do problema dos ensinos de Ário era a sua insistência na ideia de ter sido o Filho criado pelo Pai. O Concílio de Nicéia debateu este assunto, e Atanásio defendeu com sucesso a posição ortodoxa.  Embora a batalha doutrinária contra os arianos rugisse durante várias décadas, a cristologia de Nicéia foi estabelecida e permanece até hoje um baluarte da ortodoxia.

O APOLINARIANISMO

Apolinário de Laodicéia viveu durante quase a totalidade do século IV, e por isso acompanhou em primeira mão a controvérsia ariana. Participou da refutação de Ário, e comungava com os pais ortodoxos dos seus dias, inclusive Atanásio. Nos seus anos de maturidade, dedicou-se à contemplação da Pessoa de Cristo, segundo a premissa filosófica de que dois seres perfeitos não podem se tornar um só. Acreditava na definição da divinidade de Cristo, de conformidade com o Credo de Nicéia, mas sustentava que Jesus, como Homem, teria espírito, alma e corpo. Acrescentar a essa Pessoa a divindade completa do Filho resultaria num ser de quatro partes - uma monstruosidade, segundo Apolinário. Para ele, a solução era esta: o Logos, representando a divindade total do Filho, substituiu o espírito humano no homem Jesus. Esta foi a maneira como Apolinário reuniu o divino e o humano em Jesus.

Mas, como explicar a natureza humana de Jesus sem um espírito? Para compreender a cristologia de Apolinário é necessário conhecer sua teoria sobre a natureza humana. Ele acreditava que o ser humano consistia de um corpo (o cadáver de carne), uma alma (o princípio vital, que animava) e um espírito (a mente e a vontade da pessoa). Segundo o ensino de Apolinário, a mente de Jesus era a divina, e não a humana. Mas seria este o Jesus apresentado no Novo Testamento? Como semelhante Cristo poderia passar por tentações genuínas? Os pais ortodoxos levaram essas perguntas a Apolinário. Quando este se recusou a mudar de posição, convocou-se o Concílio de Constantinopla, em 381 d.C, e os ensinos de Apolinário foram refutados.

Tal discussão, sem dúvida, levanta uma importante questão a respeito de Jesus. Possuía Ele uma mente humana? Vários textos bíblicos parecem relevantes quanto a essa questão. Em Lucas 23.46 lemos que, no momento da sua morte, "clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Fica evidente, assim, que o espírito era um aspecto da existência humana de Jesus, que volta a Deus por ocasião da morte. Hebreus 2.14,17 diz:

E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo. Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.
Aqui temos a declaração de que a humanidade de Jesus é igual à nossa. Ele tornou-se, de todas as maneiras, semelhante a nós. Inclusive (segundo parece) com a mente humana, a fim de que pudesse ser levada a efeito a Expiação. As implicações doutrinárias da heresia de Apolinário são uma ofensa à própria Expiação.

O MONARQUIANISMO

Entre as heresias no tocante a natureza da Trindade, que também interpretavam erroneamente a natureza de Cristo, consta o monarquianismo que, tanto na forma dinâmica quanto na modalística, era deficiente no conceito da Pessoa de Cristo.

O NESTORIANISMO

Os ensinos de Nestório eram populares em algumas regiões do mundo, no início do século V. A controvérsia começou quando Nestório considerou falha a doutrina da Igreja com respeito a Maria. Posto que o Concílio de Nicéia havia asseverado a plena divindade de Jesus, tornou-se necessário explicar a situação de Maria ao dar à luz o Messias. A Igreja, nos dias de Nestório, utilizava-se (e com razão) da terminologia theotokos, que significa "quem deu Deus à luz", para descrever Maria. Nestório reagiu a essa terminologia, e ensinava que Maria devia ser chamada chrístotokos, que significa "quem deu Cristo à luz". Sustinha que somente Jesus deveria ser chamado theotokos no sentido de "quem leva Deus em si". Essa terminologia era importante para Nestório, porque desejava apresentar Jesus como o homem que trazia Deus em si mesmo.

Nestório ensinava que o Logos, como Deidade completa, habitava no Jesus humano de modo semelhante ao que o Espírito Santo habita no crente. Dessa maneira, Nestório mantinha certa distância lógica entre a humanidade e a divindade. O que as mantinha ligadas era um elo moral fornecido (segundo Nestório) pela perfeição de Jesus.
Os ensinos de Nestório foram examinados e rejeitados pelo Concílio de Efeso, que se reuniu em 431 d.C. O concílio definiu que a doutrina a respeito de homem que trazia Deus em si mesmo forçava uma cunha de separação entre a natureza divina e a humana, que o elo moral não poderia ligar suficientemente. Em última análise, Nestório reduziu o valor da natureza divina mediante a negação da união pessoal entre as naturezas.

O EUTIQUIANISMO

Os ensinos de Eutíquio eram populares em alguns regiões, na primeira metade do século V. O eutiquianismo começou com a asseveração de que o corpo de Jesus não era idêntico ao nosso, fora especialmente criado para a missão que veio cumprir. Essa teoria criou a possibilidade (segundo Eutíquio) de combinar os aspectos humano e divino entre si, para criar uma só natureza ao invés de duas. Por isso, na encarnação, Jesus era uma só Pessoa com uma só natureza, uma humanidade deificada, diferente de qualquer outra humanidade.

Esse ensino foi examinado pelo Concílio de Calcedônia (451 d.C). Sem demora, reconheceram que a natureza humana de Cristo era a questão principal em jogo. O concílio utilizou-se da terminologia criada em Nicéia de que Cristo era homoousia com o Pai, para refutar o ensino de Eutíquio. O concílio asseverou que Jesus é homoousia hêmin, que significa ter tido Ele, na sua humanidade, a mesma existência ou essência que nós. Talvez pareça uma conclusão radical, mas é necessária à luz de vários textos bíblicos, dos quais Hebreus 2.14,17 é um dos mais importantes. Essa nítida defesa da humanidade de Cristo, ao lado de uma afirmação igualmente clara sobre a sua divindade, indica que os membros do concílio estavam dispostos a manter as tensões e o paradoxo da revelação bíblica. E, realmente, a cristologia de Calcedônia tem-se mantido no Cristianismo como o baluarte da ortodoxia nestes últimos 15 séculos.


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Fonte:
Teologia Sistematica - Stanley Horton

Um comentário:

  1. Sou Católica e quero agradecer por este artigo. Muito Claro!

    Apoiou-me bem para um trabalho de teologia sobre A Historia da Igreja.

    A teoria dos homens podem dividir-nos mas, em Cristo tudo se une e nada pode separar a Verdade N'Ele e D'Ele.

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