segunda-feira, 23 de abril de 2012

HERESIAS A RESPEITO DAS NATUREZAS DE JESUS CRISTO


 

A doutrina de Cristo tem sido submetida a mais tentativas heréticas de explicá-la do que qualquer outra doutrina do Cristianismo. O mistério declarado e subentendido no Novo Testamento, no tocante à encarnação de Deus Filho, parece atrair a si mesmo, como imã, explicações as mais variadas dos diferentes aspectos dessa doutrina fundamental. Que heresias a respeito de Cristo já havaim nos tempos do Novo Testamento, está claro em 1 João 4.1-3:

Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo.

A negação da existência física de Jesus foi a primeira precursora da heresia docética que acossava a Igreja nos séculos II e III.
Nos tempos dos pais da Igreja, existiam diferenças, nas duas ramificações da Igreja, quanto ao modo de interpretar as Escrituras. A escola de Alexandria enfatizava a abordagem alegórica. Esses cristãos apegavam-se à defesa da divindade de Cristo, às vezes deixando sua plena humanidade em segundo plano. A escola de Antioquia enfatizava a abordagem literal à interpretação das Escrituras. Defendiam bem a doutrina da humanidade de Cristo, mas às vezes o faziam às custas da sua plena divindade.

Devemos ressaltar que a banalização do conceito de heresia, frequente em nos dias de hoje, não deve ser atribuída aos tempos antigos que estamos estudando. Os pais da Igreja encaravam com a máxima seriedade as suas controvérsias contra os hereges, porque entendiam que os próprios alicerces do Cristianismo estavam em jogo nessas questões. Além de serem zelosos pela compreensão correta das Escrituras, os pais da Igreja também eram orientados pela convicção de que a suprema questão em jogo era a própria salvação. Muitas vezes, nessas controvérsias, chegava-se a questionar se o Cristo, como era apresentado, poderia realmente ser o sacrifício pelo pecado do mundo.

O DOCETISMO

Os docetistas negavam a realidade da humanidade de Cristo, dizendo que seu sofrimento e sua morte foram aparentes. Erravam ao permitir que a filosofia gnóstica ditasse o significado dos dados bíblicos. Em última análise, o Cristo descrito pelos docetistas não poderia salvar ninguém, pois a sua morte, num corpo humano, era a condição prévia para destruir o domínio de Satanás sobre a humanidade (Hb 2.14).

O EBIONISMO

A heresia ebionita desenvolveu-se de uma ramificação do cristianismo judaico, que tentava explicar Jesus Cristo conforme ideias judaicas preconcebidas sobre a natureza de Deus. Para alguns desses cristãos primitivos, o monoteísmo significava que somente o Pai era Deus. A presença dos fariseus entre os crentes é atestada em Atos 5.1,2,5. E os fariseus ebionitas começaram a ensinar que Jesus era mero homem, gerado por José e Maria. Alguns ensinavam que Jesus foi feito Filho de Deus ao ser batizado por João Batista. Este ensino, chamado adocionismo, obviamente não concordava com as declarações de João e Paulo no tocante às origens de Cristo.

O ARIANISMO

Em inícios do século IV, um homem chamado Ário propunha com vigor os seus ensinos, e muitas pessoas acreditavam neles. Seus ensinos talvez sejam melhor entendidos se listados em oito declarações que se encaixam logicamente.

1. A característica fundamental de Deus é a solidão. Ele existe sozinho.
2. Dois Poderes habitam em Deus: o Verbo e a Sabedoria.
3. A criação foi levada a efeito por uma substância independente, que Deus criou.
4. A existência do Filho é diferente da existência do Pai.
5. O Filho não é verdadeiramente Deus.
6. O Filho é uma criação perfeita do Pai.
7. A alma humana de Cristo foi substituída pelo Logos.
8. O Espírito Santo é uma terceira substância criada.

O âmago do problema dos ensinos de Ário era a sua insistência na ideia de ter sido o Filho criado pelo Pai. O Concílio de Nicéia debateu este assunto, e Atanásio defendeu com sucesso a posição ortodoxa.  Embora a batalha doutrinária contra os arianos rugisse durante várias décadas, a cristologia de Nicéia foi estabelecida e permanece até hoje um baluarte da ortodoxia.

O APOLINARIANISMO

Apolinário de Laodicéia viveu durante quase a totalidade do século IV, e por isso acompanhou em primeira mão a controvérsia ariana. Participou da refutação de Ário, e comungava com os pais ortodoxos dos seus dias, inclusive Atanásio. Nos seus anos de maturidade, dedicou-se à contemplação da Pessoa de Cristo, segundo a premissa filosófica de que dois seres perfeitos não podem se tornar um só. Acreditava na definição da divinidade de Cristo, de conformidade com o Credo de Nicéia, mas sustentava que Jesus, como Homem, teria espírito, alma e corpo. Acrescentar a essa Pessoa a divindade completa do Filho resultaria num ser de quatro partes - uma monstruosidade, segundo Apolinário. Para ele, a solução era esta: o Logos, representando a divindade total do Filho, substituiu o espírito humano no homem Jesus. Esta foi a maneira como Apolinário reuniu o divino e o humano em Jesus.

Mas, como explicar a natureza humana de Jesus sem um espírito? Para compreender a cristologia de Apolinário é necessário conhecer sua teoria sobre a natureza humana. Ele acreditava que o ser humano consistia de um corpo (o cadáver de carne), uma alma (o princípio vital, que animava) e um espírito (a mente e a vontade da pessoa). Segundo o ensino de Apolinário, a mente de Jesus era a divina, e não a humana. Mas seria este o Jesus apresentado no Novo Testamento? Como semelhante Cristo poderia passar por tentações genuínas? Os pais ortodoxos levaram essas perguntas a Apolinário. Quando este se recusou a mudar de posição, convocou-se o Concílio de Constantinopla, em 381 d.C, e os ensinos de Apolinário foram refutados.

Tal discussão, sem dúvida, levanta uma importante questão a respeito de Jesus. Possuía Ele uma mente humana? Vários textos bíblicos parecem relevantes quanto a essa questão. Em Lucas 23.46 lemos que, no momento da sua morte, "clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito". Fica evidente, assim, que o espírito era um aspecto da existência humana de Jesus, que volta a Deus por ocasião da morte. Hebreus 2.14,17 diz:

E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo. Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.
Aqui temos a declaração de que a humanidade de Jesus é igual à nossa. Ele tornou-se, de todas as maneiras, semelhante a nós. Inclusive (segundo parece) com a mente humana, a fim de que pudesse ser levada a efeito a Expiação. As implicações doutrinárias da heresia de Apolinário são uma ofensa à própria Expiação.

O MONARQUIANISMO

Entre as heresias no tocante a natureza da Trindade, que também interpretavam erroneamente a natureza de Cristo, consta o monarquianismo que, tanto na forma dinâmica quanto na modalística, era deficiente no conceito da Pessoa de Cristo.

O NESTORIANISMO

Os ensinos de Nestório eram populares em algumas regiões do mundo, no início do século V. A controvérsia começou quando Nestório considerou falha a doutrina da Igreja com respeito a Maria. Posto que o Concílio de Nicéia havia asseverado a plena divindade de Jesus, tornou-se necessário explicar a situação de Maria ao dar à luz o Messias. A Igreja, nos dias de Nestório, utilizava-se (e com razão) da terminologia theotokos, que significa "quem deu Deus à luz", para descrever Maria. Nestório reagiu a essa terminologia, e ensinava que Maria devia ser chamada chrístotokos, que significa "quem deu Cristo à luz". Sustinha que somente Jesus deveria ser chamado theotokos no sentido de "quem leva Deus em si". Essa terminologia era importante para Nestório, porque desejava apresentar Jesus como o homem que trazia Deus em si mesmo.

Nestório ensinava que o Logos, como Deidade completa, habitava no Jesus humano de modo semelhante ao que o Espírito Santo habita no crente. Dessa maneira, Nestório mantinha certa distância lógica entre a humanidade e a divindade. O que as mantinha ligadas era um elo moral fornecido (segundo Nestório) pela perfeição de Jesus.
Os ensinos de Nestório foram examinados e rejeitados pelo Concílio de Efeso, que se reuniu em 431 d.C. O concílio definiu que a doutrina a respeito de homem que trazia Deus em si mesmo forçava uma cunha de separação entre a natureza divina e a humana, que o elo moral não poderia ligar suficientemente. Em última análise, Nestório reduziu o valor da natureza divina mediante a negação da união pessoal entre as naturezas.

O EUTIQUIANISMO

Os ensinos de Eutíquio eram populares em alguns regiões, na primeira metade do século V. O eutiquianismo começou com a asseveração de que o corpo de Jesus não era idêntico ao nosso, fora especialmente criado para a missão que veio cumprir. Essa teoria criou a possibilidade (segundo Eutíquio) de combinar os aspectos humano e divino entre si, para criar uma só natureza ao invés de duas. Por isso, na encarnação, Jesus era uma só Pessoa com uma só natureza, uma humanidade deificada, diferente de qualquer outra humanidade.

Esse ensino foi examinado pelo Concílio de Calcedônia (451 d.C). Sem demora, reconheceram que a natureza humana de Cristo era a questão principal em jogo. O concílio utilizou-se da terminologia criada em Nicéia de que Cristo era homoousia com o Pai, para refutar o ensino de Eutíquio. O concílio asseverou que Jesus é homoousia hêmin, que significa ter tido Ele, na sua humanidade, a mesma existência ou essência que nós. Talvez pareça uma conclusão radical, mas é necessária à luz de vários textos bíblicos, dos quais Hebreus 2.14,17 é um dos mais importantes. Essa nítida defesa da humanidade de Cristo, ao lado de uma afirmação igualmente clara sobre a sua divindade, indica que os membros do concílio estavam dispostos a manter as tensões e o paradoxo da revelação bíblica. E, realmente, a cristologia de Calcedônia tem-se mantido no Cristianismo como o baluarte da ortodoxia nestes últimos 15 séculos.


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Fonte:
Teologia Sistematica - Stanley Horton

A Segurança da Salvação

 É a Salvação final dos cristãos incondicional, ou poderá perder-se por causa do pecado?
A experiência prova a possibilidade duma queda temporária da graça, conhecida por "desviar-se". O termo não se encontra no Novo Testamento, senão no Antigo Testamento. Uma palavra hebraica significa "voltar atrás" ou "virar-se"; outra palavra significa "volver-se" ou ser "rebelde". Israel é comparado a um bezerro teimoso que volta para trás e se recusa a ser conduzido, e torna-se insubmisso ao jugo. 
Israel afastou-se de Jeová e obstinadamente se recusou a tomar sobre si o jugo de seus mandamentos.

O Novo Testamento nos admoesta contra tal atitude, porém usa outros termos. O desviado é a pessoa que outrora tinha o zelo de Deus, mas agora se tomou fria (Mt 24:12); outrora obedecia à Palavra, mas o mundanismo e o pecado impediram seu crescimento e frutificação (Mt 13:22); outrora pôs a mão ao arado, mas olhou para trás (Lc 9:62); como a esposa de Ló, que havia sido resgatada da cidade da destruição, mas seu coração voltou para ali (Lc 17:32); outrora estava em contacto vital com Cristo, mas agora está fora de contacto, e está seco, estéril e inútil espiritualmente (Jo 15:6); outrora obedecia à voz da consciência, mas agora jogou para longe de si essa bússola que o guiava, e, como resultado, sua embarcação de fé destroçou-se nas rochas do pecado e do mundanismo (1Tm 1:19); outrora alegrava-se em chamar-se cristão, mas agora se envergonha de confessar a seu Senhor (2Tm 1:8 ;2:12); outrora estava liberto da contaminação do mundo, mas agora voltou como a "porca lavada ao espoja-douro de lama" (2Pd 2:22; Lc 11:21-26).
É possível decair da graça; mas a questão é saber se a pessoa que era salva e teve esse lapso, pode finalmente perder-se. Aqueles que seguem o sistema de doutrina calvinista respondem negativamente; aqueles que seguem o sistema arminiano (chamado assim em razão de Armínio, teólogo holandês, que trouxe a questão a debate) respondem afirmativamente.

1. Calvinismo.

A doutrina de João Calvino não foi criada por ele; foi ensinada por santo Agostinho, o grande teólogo do quarto século. Nem tampouco foi criada por Agostinho, que afirmava estar interpretando a doutrina de Paulo sobre a livre graça.
A doutrina de Calvino é como segue: 
A salvação é inteiramente de Deus; o homem absolutamente nada tem a ver com sua salvação. Se ele, o homem, se arrepender, crer e for a Cristo, é inteiramente por causa do poder atrativo do Espírito de Deus. Isso se deve ao fato de que a vontade do homem se corrompeu tanto desde a queda, que, sem a ajuda de Deus, não pode nem se arrepender, nem crer, nem escolher corretamente. Esse foi o ponto de partida de Calvino — a completa servidão da vontade do homem ao mal. A salvação, por conseguinte, não pode ser outra coisa senão a execução dum decreto divino que fixa sua extensão e suas condições.
Naturalmente surge esta pergunta:
Se a salvação é inteiramente obra de Deus, e o homem não tem nada a ver com ela, e está desamparado, amenos que o Espírito de Deus opere nele, então, por que Deus não salva a todos os homens, posto que todos estão perdidos e desamparados?
A resposta de Calvino era: Deus predestinou alguns para serem salvos e outros para serem perdidos. "A predestinação é o eterno decreto de Deus, pelo qual ele decidiu o que será de cada um e de todos os indivíduos. Pois nem todos são criados na mesma condição; mas a vida eterna está preordenada para alguns, e a condenação eterna para outros." Ao agir dessa maneira Deus não é injusto, pois ele não é obrigado a salvar a ninguém; a responsabilidade do homem permanece, pois a queda de Adão foi sua própria falta, e o homem sempre é responsável por seus pecados.
Posto que Deus predestinou certos indivíduos para a salvação, Cristo morreu unicamente pelos "eleitos"; a expiação fracassaria se alguns pelos quais Cristo morreu se perdessem.
Dessa doutrina da predestinação segue-se o ensino de "uma vez salvo sempre salvo"; porque se Deus predestinou um homem para a salvação, e unicamente pode ser salvo e guardado pela graça de Deus, que é irresistível, então, nunca pode perder-se.

Os defensores da doutrina da "segurança eterna" apresentam as seguintes referências para sustentar sua posição: Jo 10:28,29: Rm 11:29; Fp 1:6; 1Pd 1:5; Rm 8:35; Jo 17:6.

2. Arminianismo.

O ensino arminiano é como segue: A vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos, porque Cristo morreu por todos. (1Tm 2:4-6; Hb 2:9; 2Co 5:14; Tt 2:11,12.) Com essa finalidade ele oferece sua graça a todos. Embora a salvação seja obra de Deus, absolutamente livre e independente de nossas boas obras ou méritos, o homem tem certas condições a cumprir. Ele pode escolher aceitar a graça de Deus, ou pode resistir-lhe e rejeitá-la. Seu direito de livre arbítrio sempre permanece.
As Escrituras certamente ensinam uma predestinação, mas não que Deus predestina alguns para a vida eterna e outros para o sofrimento eterno. Ele predestina " a todos os que querem" a serem salvos — e esse plano é bastante amplo para incluir a todos que realmente desejam ser salvos. Essa verdade tem sido explicada da seguinte maneira: na parte de fora da porta da salvação lemos as palavras: "quem quiser pode vir"; quando entramos por essa porta e somos salvos, lemos as palavras no outro lado da porta: "eleitos segundo a presciência de Deus". Deus, em razão de seu conhecimento, previu que essas pessoas aceitariam o evangelho e permaneceriam salvos, e predestinou para essas pessoas uma herança celestial. Ele previu o destino delas, mas não o fixou.
A doutrina da predestinação é mencionada, não com propósito especulativo, e, sim, com propósito prático. Quando Deus chamou Jeremias ao ministério, ele sabia que o profeta teria uma tarefa muito difícil e poderia ser tentado a deixá-la. Para encorajá-lo, o Senhor assegurou ao profeta que o havia conhecido e o havia chamado antes de nascer (Je 1:5). Com efeito, o Senhor disse: "Já sei o que está adiante de ti, mas também sei que posso te dar graça suficiente para enfrentares todas as provas futuras e conduzir-te à vitória." Quando o Novo Testamento descreve os cristãos como objetos da presciência de Deus, seu propósito é dar-nos certeza do fato de que Deus previu todas as dificuldades que surgirão à nossa frente, e que ele pode nos guardar e nos guardará de cair.

3. Uma comparação.

A salvação é condicional ou incondicional? Uma vez salva, a pessoa é salva eternamente? A resposta dependerá da maneira em que podemos responder às seguintes perguntas-chave:
De quem depende a salvação? É irresistível a graça?
1) De quem depende, em última análise, a salvação:
de Deus ou do homem? Certamente deve depender de Deus, porque, quem poderia ser salvo se a salvação dependesse da força da própria pessoa? 
Podemos estar seguros disto: Deus nos conduzirá à vitória, não importa quão débeis ou desatinados sejamos, uma vez que sinceramente desejamos fazer a sua vontade. Sua graça está sempre presente para nos admoestar, reprimir, animar e sustentar.
Contudo, não haverá um sentido em que a salvação dependa do homem? As Escrituras ensinam constantemente que o homem tem o poder de escolher livremente entre a vida e a morte, e Deus nunca violará esse poder.
2) Pode-se resistir à graça de Deus?
Um dos princípios fundamentais do Calvinismo é que a graça de Deus e irresistível. Quando Deus decreta a salvação de uma pessoa, seu Espírito atrai, e essa atração não pode ser resistida. Portanto, um verdadeiro filho de Deus certamente perseverará até ao fim e será salvo; ainda que caia em pecado, Deus o castigará e pelejará com ele. Ilustrando a teoria calvinista diríamos: é como se alguém estivesse a bordo dum navio, e levasse um tombo; contudo está a bordo ainda; não caiu ao mar.
Mas o Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à graça divina e resistir para a perdição eterna (Jo 6:40; Hb 6:46; 10:26-30; 2Pd 2:21; Hb 2:3; 2Pd 1:10), e que a perseverança é condicional dependendo de manter-se em contacto com Deus.
Note-se especialmente Hb 6:4-6 e 10:26-29. Essas palavras foram dirigidas a cristãos; as epístolas de Paulo não foram dirigidas aos não-regenerados. Aqueles aos quais foram dirigidas são descritos como havendo sido uma vez iluminados, havendo provado o dom celestial, participantes do Espírito Santo, havendo provado a boa Palavra de Deus e as virtudes do século futuro. Essas palavras certamente descrevem pessoas regeneradas.

Aqueles aos quais foram dirigidas essas palavras eram critãos hebreus, que, desanimados e perseguidos (10:32-39), estavam tentados a voltar ao Judaísmo. 
Antes de serem novamente recebidos na sinagoga, requeria-se deles que, publicamente, fizessem as seguintes declarações (10:29): que Jesus não era o Filho de Deus; que seu sangue havia sido derramado justamente como o dum malfeitor comum; e que seus milagres foram operados pelo poder do maligno. Tudo isso está implícito em Hb 10:29. (Que tal repúdio da fé podia haver sido exigido, é ilustrado pelo caso dum cristão hebreu na Alemanha, que desejava voltar à sinagoga, mas foi recusado porque desejava conservar algumas verdades do Novo Testamento.) Antes de sua conversão havia pertencido à nação que crucificou a Cristo; voltar à sinagoga seria de novo crucificar o Filho de Deus e expô-lo ao vitupério; seria o terrível pecado da apostasia (Hb 6:6); seria como o pecado imperdoável para o qual não há remissão, porque a pessoa que está endurecida a ponto de cometê-lo não pode ser "renovada para arrependimento"; seria digna dum castigo mais terrível do que a morte (10:28); e significaria incorrer na vingança do Deus vivo (10:30, 31).

Não se declara que alguém houvesse ido até esse ponto; de fato , o autor está persuadido de "coisas melhores" (6:9). Contudo, se o terrível pecado da apostasia da parte de pessoas salvas não fosse ao menos remotamente possível, todas essas admoestações careceriam de qualquer fundamento.
Leia-se 1Co 10:1-12. Os coríntios se haviam jactado de sua liberdade cristã e da possessão dos dons espirituais. Entretanto, muitos estavam vivendo num nível muito pobre de espiritualidade. Evidentemente eles estavam confiando em sua "posição" e privilégios no Evangelho. Mas Paulo os adverte de que os privilégios podem perder-se pelo pecado, e cita os exemplos dos israelitas. Estes foram libertados duma maneira sobrenatural da terra do Egito, por intermédio de Moisés, e, como resultado, o aceitaram como seu chefe durante a jornada para a Terra da Promissão. A passagem pelo Mar Vermelho foi um sinal de sua dedicação à direção de Moisés. Cobrindo-os estava a nuvem, o símbolo sobrenatural da presença de Deus que os guiava. Depois de salvá-los do Egito, Deus os sustentou, dando-lhes, de maneira sobrenatural, o que comer e beber. Tudo isso significava que os israelitas estavam em graça, isto é: no favor e na comunhão com Deus.

Mas "uma vez em graça sempre em graça" não foi verdade no caso dos israelitas, pois a rota de sua jornada ficou assinalada com as sepulturas dos que foram destruídos em conseqüência de suas murmurações, rebelião e idolatria. O pecado interrompeu sua comunhão com Deus, e, como resultado, caíram da graça. Paulo declara que esses eventos foram registrados na Bíblia para advertir os cristãos quanto à possibilidade de perder os mais sublimes privilégios por meio do pecado deliberado.

4. Equilíbrio escriturístico.

As respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação — e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo acentua a livre vontade e responsabilidade do homem — e assim o faz a Bíblia. A solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro.
Por exemplo: a ênfase demasiada à soberania e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. 
Por outro lado, ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de toda a confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser evitados são: a ilegalidade e o legalismo.
Quando Carlos Finney ministrava em uma comunidade onde a graça de Deus havia recebido excessiva ênfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e as obras haviam sido fortemente defendidas, ele acentuava a graça de Deus.
Quando deixamos os mistérios da predestinação e nos damos à obra prática de salvar as almas, não temos dificuldades com o assunto. João Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista. Entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.

Pregadores piedosos calvinistas, do tipo de Carlos Spurgeon e Carlos Finney, têm pregado a perseverança dos santos de tal modo a evitar a negligência. Eles tiveram muito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de Deus certamente perseveraria até ao fim, mas acentuaram que se não perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento. Se a pessoa não procurasse andar na santidade, dizia Calvino, bem faria em duvidar de sua eleição.


É inevitável defrontarmo-nos com mistérios quando nos propomos tratar as poderosas verdades da presciência de Deus e a livre vontade do homem; mas se guardamos as exortações práticas das Escrituras, e nos dedicamos a cumprir os deveres específicos que se nos ordenam, não erraremos. "As coisas encobertas são para o Senhor Deus, porém as reveladas são para nós" (Dt 29:29).
Para concluir, podemos sugerir que não é prudente insistir falando indevidamente dos perigos da vida cristã. Maior ênfase deve ser dada aos meios de segurança — o poder de Cristo como Salvador; a fidelidade do Espírito Santo que habita em nós, a certeza das divinas promessas, e a eficácia infalível da oração.
O Novo Testamento ensina uma verdadeira "segurança eterna", assegurando-nos que, a despeito da debilidade, das imperfeições, obstáculos ou dificuldades exteriores, o cristão pode estar seguro e ser vencedor em Cristo. Ele pode dizer com o apóstolo Paulo: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rm 8:35-39).


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Fonte:
Conhecendo as doutrinas da Bíblia

sábado, 14 de abril de 2012

SISTEMAS TEOLÓGICOS PROTESTANTES



Dentro do protestantismo há vários sistemas teológicos. O exame de cada um deles ocuparia mais espaço do que o disponível neste capítulo. Examinaremos, portanto, dois de­les que têm se destacado desde a Reforma: o calvinismo e o arminianismo. Atualmente, há muitos outros sistemas teoló­gicos. Três deles serão considerados resumidamente: a teolo­gia da libertação, o evangelicalismo e o pentecostalismo. Essa abordagem seletiva é necessária tanto por causa das limitações de espaço, quanto por causa do relacionamento entre esses sistemas e o estudo que ora fazemos.

O calvinismo. O calvinismo deve seu nome e suas ori­gens ao teólogo e reformador francês João Calvino (1509-64). A doutrina central do calvinismo é que Deus é sobera­no de toda a sua criação.

A maneira mais fácil de se entender o calvinismo é conhecer as suas cinco teses centrais:

 (1) A total deprava­ção: a raça humana, como resultado do pecado, está tão decaída que nada podemos fazer para melhorarmos ou para sermos aceitos diante de Deus; 
(2) A eleição incondicional: o Deus soberano, na eternidade passada, elegeu (escolheu) alguns membros da raça humana para serem salvos, inde­pendentemente da aceitação de sua oferta, que tem como base sua graça e compaixão; 
(3) A expiação limitada: Deus enviou seu Filho para prover a expiação somente para aque­les que Ele elegera; 
(4) A graça irresistível: os eleitos não poderão resistir a sua oferta generosa; serão salvos; e 
(5) A perseverança dos santos: uma vez salvos, perseverarão até o fim, e receberão a realidade última da salvação: a vida eter­na. 

O arminianismo. O teólogo holandês Jacob Arminius (1560-1609) discordou das doutrinas do calvinismo, argu­mentando que 
(1) tendem a fazer de Deus o autor do peca­do, por ter Ele escolhido, na eternidade passada, quem seria ou não salvo, e 
(2) negam o livre-arbítrio do ser humano, por declararem que ninguém pode resistir à graça de Deus.

Os ensinos de Arminius foram resumidos nas cinco teses dos Artigos de Protesto (1610): 

(1) a predestinação depende da maneira de a pessoa corresponder ao chamado da salva­ção, e é fundamentada na presciência de Deus; 
(2) Cristo morreu em prol de toda e qualquer pessoa, mas somente os que creem são salvos; 
(3) a pessoa não tem a capacidade de crer, e precisa da graça de Deus; mas 
(4) a graça pode ser resistida; 
(5) se todos os regenerados perseverarão é questão que exige mais investigação.

As diferenças entre o calvinismo e o arminianismo ficam, portanto, claras. Segundo os arminianos, Deus sabe de ante­mão as pessoas que lhe aceitarão a oferta da graça, e são estas que Ele predestina a compartilhar de suas promessas. Noutras palavras, Deus predestina todos os que, de livre e espontânea vontade, lhe aceitam a salvação outorgada em Cristo, e continuam a viver por Ele. A morte expiatória de Jesus foi em favor de todas as pessoas indistintamente. E a expiação será eficaz para todos quantos aceitarem a oferta da salvação gratuita que Deus a todos faz. Essa oferta pode ser recusada. Se corresponderem à aceitação da graça divina, é por causa da iniciativa dessa mesma graça, e não em virtude da vontade humana. A perseverança depende de se viver continuamente a fé cristã, e há a possibilidade de se desviar da fé, embora Deus não deixe que ninguém caia facilmente.

A maioria dos pentecostais tende ao sistema arminiano de teologia tendo em vista a necessidade do indivíduo em aceitar pessoalmente o Evangelho e o Espírito Santo.

A teologia da libertação. Nascida na América Latina no fim da década de 1960, a teologia da libertação é um "movi­mento difuso"  de vários grupos dissidentes (negros, femi­nistas etc). Seu interesse primário é a reinterpretação da fé cristã do ponto de vista dos pobres e dos oprimidos. Os proponentes dessa teologia alegam que o único evangelho que lida corretamente com as necessidades desses grupos é o que proclama a libertação destes da pobreza e da opressão. A mensagem dos defensores dessa teologia é a condenação dos ricos e dos opressores, e a libertação dos pobres e dos oprimi­dos.

Um dos alvos principais da teologia da libertação é a questão da prática: a teologia deve ser posta em prática, e não apenas aprendida. Isto é: a essência do seu esforço é empenhar-se na renovação da sociedade a fim de libertar os pobres e oprimidos de suas circunstâncias. Para se alcançar esse alvo, seus elaboradores frequentemente são obrigados a interpretar as Escrituras fora de seu contexto, além de em­pregar métodos que, na maioria das vezes, são considerados marxistas ou revolucionários.

O evangelicalismo. O sistema teológico conhecido como evangelicalismo tem hoje uma influência mui considerável. Com a formação da Associação Nacional dos Evangélicos em 1942, um novo ímpeto foi dado às doutrinas desse siste­ma. E estas têm sido aceitas por membros de muitas denomi­nações cristãs. O próprio nome revela-nos uma das preocu­pações centrais do sistema: 
a comunicação do evangelho ao mundo inteiro. Essa comunicação conclama os indivíduos à fé pessoal em Jesus Cristo. As expressões teológicas do evangelicalismo provêm, indistintamente, de arraiais calvinistas e arminianos. Declaram que o evangelicalismo nada mais é que o mesmo sistema de fé ortodoxa que se achava primeira­mente na Igreja Primitiva. 
A agenda social do evangelicalismo conclama os fiéis a agirem em prol da justiça, na sociedade, bem como da salvação das almas.

O pentecostalismo. Em sua maior parte, a teologia pen­tecostal encaixa-se confortavelmente nos limites do sistema evangélico. Por outro lado, os pentecostais levam a sério a operação do Espírito Santo como comprovação da veracida­de das doutrinas da fé, e para outorgar poder à proclamação destas.
 Esse fato leva frequentemente à acusação de que os pentecostais baseiam-se exclusivamente na experiência. Tal acusação não procede; o pentecostal considera que a expe­riência produzida pela operação do Espírito Santo acha-se abaixo da Bíblia no que tange à autoridade. A experiência corrobora, enfatiza e confirma as verdades da Bíblia, e essa função do Espírito é importante e crucial.




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Fonte: 
Teologia Sistemática - S. Horton-CPAD